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Babaçu é fonte de história e vida para milhares de mulheres

Barbara da Silva é quebradeira de coco babaçu, tem 25 anos e conta que sempre anda com um caderninho para anotar os ensinamentos e causos que as mais velhas de sua comunidade têm para contar. Essa ligação com as histórias de suas antepassadas foi uma das responsáveis para a jovem se engajar com o Projeto Babaçu Fonte de Vida: quebradeiras articuladas e cuidando da natureza, realizado em uma região chamada Tocantina, que abrange vários municípios e comunidades dos estados do Maranhão, Tocantins e Pará banhadas pelo rio Tocantins, entre elas, a Coquelândia, comunidade de Bárbara.

“Eu vi no Projeto uma forma de fortalecer nosso vínculo com a natureza e reforçar isso entre os jovens a partir das experiências das mais velhas. Eu tento o máximo ficar perto delas para aprender o que posso”, conta a jovem quebradeira. E Bárbara está certa: grande parte da riqueza ambiental e cultural da região é conservada com o apoio dos conhecimentos ancestrais dos povos e comunidades tradicionais. São esses grupos que, com seus modos próprios de relações territoriais, preservam a memória, a história e o patrimônio material e imaterial. São portas abertas para um passado que se mantém vivo de saberes para as novas gerações.

Para contar a história da quebra do coco, então, Bárbara tem muitas linhas para preencher. O babaçu, em várias comunidades e regiões, é uma importante atividade para a resistência e geração de renda, principalmente das mulheres. Dá para aproveitar quase tudo dessa palmeira. As amêndoas fornecem um leite com propriedades nutritivas semelhantes ao leite humano e é utilizado em molhos e doces. Do mesocarpo é extraída uma farinha, o pó de babaçu, bastante nutritivo e usado em bolos, pães, pudins e mingau. O azeite é ótimo substituto ao óleo de soja, e ainda tem a produção de sabonetes com o seu óleo. São aprendizados que Bárbara leva para fortalecer suas relações com a terra e prolongar a ciência de suas antecessoras.

No entanto, a luta secular pela memória e suas relações com o meio ambiente, especialmente com o protagonismo feminino, encontra-se constantemente ameaçada. O Maranhão, onde acontece a maior atuação do projeto, sofre com baixos índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e altos níveis de pobreza, com pouco investimento em políticas públicas que garantam direitos básicos, como o acesso ao saneamento e alfabetização infantil. E a realidade para as mulheres também é problemática. Segundo dados do Ministério Público do Maranhão (MPMA), apenas em 2020, foram registradas mais de oito mil denúncias de violência contra a mulher no estado.

Esses desafios sociais se somam ao avanço de modelos de produções que não dialogam com a sustentabilidade social e ambiental da região. Há intensa ofensiva da agropecuária e do agronegócio que, para expandirem, derrubam as palmeiras de babaçu, fonte de vida e renda para tantas quebradeiras de coco. É contraditório que o Maranhão, estado com maior produção de coco babaçu, assiste inerte a deterioração da sua biodiversidade, em detrimento do aumento da concentração de renda. Segundo o IPAM, o Maranhão foi o Estado que teve a maior área de vegetação nativa desmatada entre agosto de 2020 e julho de 2021, com 2.281,72 km² de Cerrado perdidos. O estado ainda não possui uma Lei para o Babaçu Livre e, apesar desse instrumento ser implementado via municípios, ainda é marcante a situação de vulnerabilidade de milhares de mulheres quebradeiras.

Diante desse contexto adverso, o Projeto Babaçu Fonte de Vida não poderia receber outro nome que nos remetesse à resistência. Apoiado pela estratégia para a promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais (PPP-ECOS), o projeto que tem admiração e apoio de Bárbara busca incentivar o aprimoramento das produções ligadas ao coco babaçu, promovendo diversificação da comercialização e geração de renda das quebradeiras. Isso tudo, como todo princípio do PPP-ECOS, alinhado à conservação dos recursos naturais. São 126 famílias apoiadas diretamente pelo Projeto e mais 50 de forma indireta. É gente demais pra seguir em resistência.

“Esse projeto adota o enfoque participativo, contribuindo para o empoderamento e ampliação do protagonismo das mulheres e jovens, aumentando as capacidades na gestão da cadeia produtiva do babaçu. A iniciativa ainda conta com a socialização dos aprendizados junto a outras comunidades e divulgará seus resultados para incentivar o manejo sustentável da sociobiodiversidade e valorizar os modos de vida tradicionais das quebradeiras”, comenta o coordenador do Programa Amazônia e assessor do projeto no ISPN, Rodrigo Noleto.

Bárbara conta que elas começaram a desenvolver outros projetos dentro do Babaçu Fonte de vida, e que a iniciativa é uma ótima estratégia para as mulheres das comunidades envolvidas acessarem formações que qualificam suas produções, como marketing para vendas, gestão de projetos, como gerir negócios, entre outros. E todo esse aumento de conhecimentos também acompanha o aumento da diversificação dos produtos, usando com sabedoria os recursos locais. Tem sabonetes feitos com o óleo do coco babaçu, óleos essenciais de erva cidreira, capim limão, vinho de buriti e muito mais. As mulheres também começaram a investir na arte com as mãos, com a costura de bolsas, jogos americanos, esteiras e outros artesanatos.

A reflexão que Bárbara traz é que toda a ampliação e diversificação da produção é possível também graças ao sentimento coletivo que embala, historicamente, o modo de vida das quebradeiras. São mulheres que entendem que as práticas cotidianas para geração de renda, alimentação e para se manterem na resistência dependem das sabedorias e da força conjunta. Se o caderninho de Bárbara pudesse falar, com certeza o primeiro ensinamento ancestral que ele traria seria esse: “Eu estou aprendendo que a gente não é só uma pessoa, nós somos uma união, uma união em comunidade. E vamos seguir assim, como quebradeiras e mulheres”.

🦉 O Projeto Babaçu Fonte de Vida: quebradeiras articuladas e cuidando da natureza recebe apoio do fundo PPP-ECOS, do ISPN, com financiamento do Fundo Amazônia.

Fotos: Fernando Soares

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