Articulação da sociedade civil tem como objetivo incidir politicamente sobre temas como defesa do rio Pajeú, combate à mudanças climáticas e o protagonismo de mulheres na agroecologia

Uma força coletiva no interior Semiárido do Pernambuco para articular organizações agroecológicas da sociedade civil em torno de eixos estratégicos e potencializar incidências políticas. Esse é o papel da Rede Pajeú de Agroecologia, que tem como debates centrais a defesa do Rio Pajeú, o combate às mudanças climáticas, o protagonismo das mulheres na agroecologia e o fortalecimento dos territórios.
A Rede está presente no Sertão do Pajeú, que abriga 17 municípios e cerca de 314 mil habitantes, incluindo cidades como Serra Talhada, Sertânia, São José do Egito e Afogados da Ingazeira. Marcada por tradições sertanejas, paisagens de clima seco e uma rica diversidade cultural — do cordel à poesia —, a região enfrenta desafios como a poluição de recursos hídricos, os impactos das energias renováveis e as mudanças climáticas, mas também se destaca por iniciativas de resistência e convivência sustentável com o bioma.
“A atuação em rede é estratégica porque ninguém faz nada sozinho. Nossas propostas de convivência com o Semiárido, combate à desertificação e às mudanças climáticas só se concretizam por meio de processos coletivos”, afirma Riva Almeida, coordenadora do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, uma das organizações fundadoras da Rede.

De acordo com Almeida, o Centro Sabiá teve um papel histórico na formação da Rede Pajeú, atuando como articulador de diversas organizações locais durante a execução de um projeto de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) Agroecológica, entre 2014 e 2017. “Era um período de intensa crise política no país, e sentíamos a necessidade de maior articulação para enfrentar os desafios”, explica.
Agora, após atravessar um processo de planejamento estratégico, com apoio do Fundo Ecos, do ISPN, entre agosto de 2024 e abril de 2025, a Rede Pajeú de Agroecologia se reorganiza para ampliar sua capacidade de incidência política. Realizado em três encontros, a proposta final do planejamento foi apresentada na sede da Casa Mulher do Nordeste, em Afogados da Ingazeira (PE), em 8 de abril.

“O planejamento estratégico era uma demanda para a RPA seguir construindo sustentabilidade, tendo como protagonistas associações de mulheres, grupos informais, organizações não governamentais e sindicatos, comprometidos com a convivência com o Semiárido. Esta tem sido a luta da RPA, desde os primeiros movimentos”, explicou a supervisora de Projetos da Casa Mulher do Nordeste, Sara Rufino.
Para a representante da Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú, Apolônia Gomes, o planejamento foi fundamental para que a articulação pudesse encontrar seu norte e estabelecer a governança. “A partir da construção desse espaço, sobretudo as mulheres conseguiram entender seu papel na RPA, na comunidade e nos espaços em que atuam.”

A Rede Pajeú é composta pelo Centro Sabiá, pela Casa Mulher do Nordeste, pela Associação Agroecológica do Pajeú (ASAP), pela Diaconia, Associação Comunitária de Bom Sucesso, Associação Rural Mista da Comunidade de Fortuna, entre outros. Cada qual liderando um debate estratégico para incidência política.
A expansão de parques eólicos e solares no Sertão do Pajeú é um desses debates estratégicos e controversos na região. Se por um lado representam fontes de energia renováveis, por outro os empreendimentos – quando implantados no modelo de larga escala – trazem consigo uma série de impactos ambientais e sociais que preocupam as comunidades locais e organizações da sociedade civil.
Os parques eólicos enfrentam críticas por causarem poluição sonora constante (com ruídos que podem ultrapassar 45 decibéis), alto índice de mortalidade de aves migratórias (incluindo espécies ameaçadas) e uma profunda transformação na paisagem do sertão, afetando ecossistemas inteiros.
Já os complexos solares geram controvérsias pelo uso intensivo do solo (com terraplanagem que altera a drenagem natural), descarte de painéis fotovoltaicos (que contêm metais pesados) e o uso indiscriminado de herbicidas para manutenção das áreas.
“Não nos opomos à proposta da energia renovável, mas ao modelo que está chegando ao território: de forma centralizada, que degrada e destrói. Com desmatamento e uso de herbicidas para ‘limpar’, no caso das solares, o entorno das placas”, afirma Almeida, coordenadora do Centro Sabiá.
No território quilombola Feijão e Posse, em Mirandiba (PE), o que preocupa é uma obra do Ministério de Minas e Energia e da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), executada pela Eletrobras, que pretende implementar novas linhas de transmissão de energia elétrica na região.
De acordo com a tesoureira da associação da comunidade, Mazer Souza, a obra vai passar dentro de nove comunidades. “Nossa luta hoje é para que a empresa mude esse traçado. A gente não quer linhas de transmissão passando dentro dos territórios. Vai impactar nossa vida, e o que a gente conservou ao longo de anos vai ser devastado. Como se a gente não existisse ali”.
Segundo ela, a Rede Pajeú de Agroecologia tem fortalecido a associação para chegar até as pessoas responsáveis pelo empreendimento e questionar a contradição do projeto. “Tem lei que protege nossas comunidades quilombolas, a natureza, mas tem lei que dá direito a devastar o que conservamos em troca de dinheiro. E a gente sabe que a vida não é compensada com dinheiro”.

As famílias da comunidade temem pelas reservas ambientais e por eventualmente serem retiradas de suas terras. A atuação da comunidade na RPA busca levar informações sobre o que está acontecendo nos territórios e disseminar informações para outros territórios quilombolas.
Defesa do Pajeú
O saneamento e tratamento de águas residuárias, advindas do tratamento de esgoto, do Rio Pajeú é agenda fundamental da Rede. Alvo de desmatamento e queimadas no entorno, o curso hídrico recebe lançamento de esgotos urbanos e lixo de nove emissores diferentes.
Movimento territorial realizado pela primeira vez em 2010 para denunciar ameaças na bacia hidrográfica do Pajeú liderado pela agricultora familiar do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Pernambuco (MMTR-PE) Vanete Almeida, a Caravana do Pajeú foi retomada em 2023, fruto de uma articulação da Rede Pajeú de Agroecologia com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Pajeú (COBH Pajeú).
O COBH Pajeú é parte do sistema integrado de gestão dos recursos hídricos de Pernambuco e é composto por parte significativa das organizações da Rede.
“É nessa instância de gestão das águas que as organizações da RPA influenciam políticas públicas de conservação e preservação do meio ambiente a partir das experiências de convivência com o Semiárido em bases agroecológicas”, explica a presidente do Comitê Ita Porto de Oliveira.
Para Ita, que também é assessora político pedagógico da Diaconia, ocupar o espaço de governança das águas é “fundamental para propor saídas” a temas importantes como o enfrentamento à desertificação, a revitalização de bacias e os impactos dos empreendimentos de energias renováveis.

Mulheres na agroecologia
A região do Pajeú enfrenta historicamente um contexto de violência contra mulheres. Dados demonstram essa realidade: somente nos primeiros seis meses de 2024, foram 1.203 casos de violência registrados em todas as 17 cidades do Pajeú, quase 5% dos 26.752 casos que ocorreram em todo estado no mesmo período. Os municípios no Pajeú que lideram o ranking são Serra Talhada, Afogados da Ingazeira, São José do Egito, Tabira e Carnaíba.
“Um dos princípios da Rede é enfatizar a perspectiva da igualdade de gênero, para garantir autonomia econômica, acesso e controle aos recursos e bens comuns e a participação das mulheres nos espaços de decisão política”, explica Sara Rufino, da Casa Mulher do Nordeste.
Apolônia Gomes, por sua vez, lembra que a Rede tem sido “porta de entrada” para que mulheres discutam políticas públicas em seus municípios, “para que elas estejam nesses locais, atuando e se fortalecendo, acessando mercado e outras políticas, deslanchando a comercialização e trabalhando os produtos que produzem”.
“É mais um espaço para que a gente paute os direitos das mulheres, como a divisão justa do trabalho doméstico, a produção e inserção no mercado institucional, para que elas rompam o ciclo de violência”, conclui a representante da Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú.

O apoio do Fundo Ecos à Rede Pajeú de Agroecologia é uma ação estratégica para fortalecimento de articulações comunitárias e socioambientais, parte da Sétima Fase Operacional do Small Grants Programme, implementada no Brasil pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e recursos do Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF). Saiba mais aqui.
Texto por Assessoria de Comunicação do ISPN/ Camila Araujo