histórias dos projetos

Conservação no Tocantins: comunidades como aliadas

Associação Onça D’Água trabalha há 20 anos junto a comunidades rurais que vivem dentro ou no entorno de Áreas de Proteção Ambiental (APAs), influenciando políticas públicas de conservação da biodiversidade no estado

Angélica Beatriz Corrêa Gonçalves, Associação Onça D’Água, e Laudeci Monteiro, Associação Comunitária de Artesãos e Pequenos Produtores de Mateiros (TO), no processamento da farinha de jatobá

Como fortalecer as Unidades de Conservação (UCs) do Tocantins? Essa é a pergunta que norteia o trabalho da Associação Onça D’Água nos últimos 20 anos – mais precisamente desde janeiro de 2003, quando um grupo de socioambientalistas se reuniu para fundar a entidade, cujo objetivo é apoiar e influenciar políticas públicas de conservação da biodiversidade no estado.

“Ao longo dessa história a gente se deparou com um público pouco assistido, que são as comunidades rurais no entorno das UCs ou na própria unidade, no caso das Áreas de Proteção Ambiental (APAs). A gente percebeu essa fragilidade, as pessoas que produzem e praticam o agroextrativismo estão carentes de assistência e orientação”, comenta Angélica Beatriz, conselheira administrativa da Associação Onça D’Água.

No Tocantins, 15% da área do estado são protegidas como UCs. De acordo com a legislação, após a criação da UC, um Plano de Manejo deve ser elaborado estabelecendo normas, restrições para o uso, ações a serem desenvolvidas e manejo dos recursos naturais da unidade.

Mas nem sempre os planos são criados no prazo previsto pela lei – até cinco anos após a criação da UC – ou com normas almejadas pela população que habita o entorno.

Por esse motivo, Angélica explica que o trabalho da entidade hoje também tem sido estimular a conexão das comunidades com as instituições que fazem suas gestões – sobretudo com instâncias do poder público municipal e estadual. “A gente incentiva o diálogo entre os dois grupos e tenta mostrar onde eles podem se ajudar e colaborar entre si, principalmente porque o Naturatins (Instituto Natureza do Tocantins) é responsável pelas unidades. É a figura do poder público no local”.

Projeto Redes 

O projeto Redes de Iniciativas Produtivas Sustentáveis em Áreas de Proteção Ambiental (APA) no Tocantins, executado pela Associação Onça D’Água com o apoio do Fundo PPP-ECOS, do ISPN, e financiamento do Fundo Amazônia, envolveu a colaboração de gestores de três áreas de proteção ambiental: APA Ilha do Bananal/Cantão, APA Serra do Lajeado e APA Jalapão.

“A gente conseguiu envolver gestores das três APAs que estiveram presentes no projeto e também envolver dois parques que demonstraram interesse em apoiar as atividades”, explica Angélica.

Ela destaca ainda que “abrir o caminho para o diálogo” é uma das ações mais importantes que a associação tem tocado nos últimos anos.

Projeto Redes, uma iniciativa da Associação Onça D’Água

Camila Oliveira Muniz, supervisora da APA Serra do Lajeado, explica que o projeto proporcionou maior expertise para a atuação do poder público. “A gente tem essa ligação com a comunidade mas não tem a expertise que a equipe da Onça D’água trouxe pra nós, com a capacidade de agregar as pessoas de outras APAs para trocar experiências”.

A gestora diz ainda que a expectativa, para os próximos anos, é colocar produtos da biodiversidade do Cerrado na merenda escolar para fortalecer o extrativismo e a agricultura familiar, “especialmente no território das áreas protegidas do nosso estado”.

Beneficiários do Projeto Redes, da Associação Onça D’Água, colhendo Fava D’Anta

A partir daí, a compreensão sobre trabalhar em rede e de forma colaborativa ficou mais consolidada. Fruto disso é o Flor da Sustentabilidade, uma carta de intenções e compromissos sobre o trabalho com uso sustentável dos recursos naturais.

Agora, o momento é de continuar captando recursos para fortalecer a semente plantada pelo projeto Redes.

Iniciado em 2022, com 24 meses de execução, o projeto buscou investir no incentivo e qualificação de atores locais para inserção produtiva no mercado, para geração de renda, e incidência em políticas públicas locais, a exemplo da lei municipal  aprovada em Caseara (TO) e de autoria da vereadora Maria Angela da Toinha (PSB), membro da AMA-Cantão, que incentiva a oferta de frutos do Cerrado na merenda escolar, promovendo a melhoria da qualidade de vida e conservação da biodiversidade.

Ao longo deste processo, o projeto mapeou 52 iniciativas de comunidades rurais, produtores agroextrativistas e artesãos residentes do Cerrado tocantinense.

Grande Encontro 

Realizado em outubro de 2023, o Grande Encontro de Troca de Saberes e Farinhada de Jatobá, em Caseara (TO), foi uma das 14 capacitações promovidas pelo projeto. No total, as atividades envolveram 316 beneficiários – dos quais 91 jovens – sendo eles agricultores familiares, produtores agroextrativistas e artesãos residentes em quatro regiões do Cerrado tocantinense: APA Ilha do Bananal/Cantão, APA Serra do Lajeado, APA Jalapão e Serra Geral.

Convidado para o evento, o inventor de Palmas (TO) Enoque Oliveira Freitas apresentou uma máquina despolpadeira capaz de processar a farinha de jatobá em maior quantidade e em menos tempo do que o instrumento manual, o pilão.

Em uma contagem informal para saber aproximadamente o tamanho dessa diferença, os participantes do evento chegaram no seguinte resultado: enquanto o pilão produz 2 kg de farinha em uma hora, a máquina é capaz de produzir até 30 kg no mesmo tempo.

Agroextrativistas calculam o tempo de pilagem do jatobá para produção de farinha

“Esse resultado é fruto de uma primeira experiência. A partir daí, ficou em nosso radar a possibilidade de buscar recursos para que todas possam ter a máquina”, explica Angélica.

A máquina despolpa o fruto, rico em minerais e fibras, sem quebrar a sua semente. “É uma vantagem incrível, a gente tem condições de produzir mais, porque junta a turma que vai colhendo o jatobá no mato enquanto outros estão em casa processando o fruto. Ganha mais tempo e tem mais lucro”, argumenta José Batista dos Santos, mais conhecido como Zé Mininim.

Por outro lado, ele pondera: o pilão é tradição. “A gente não pode se desfazer dele porque, por exemplo, está no meio da produção e a energia acaba. Com o pilão a gente pode continuar.”

Especialista no manejo de jatobá, Zé Mininim trabalha com o fruto há quase 20 anos e foi responsável pela oficina de processamento da farinha no Grande Encontro. No vídeo, ele explica sobre os diferentes tipos de jatobá e destaca a importância de manter árvores de pé para a atividade agroextrativista. Confira:

Cerrado

“Sem o Cerrado, não conseguimos produzir mel ou nenhum outro produto da apicultura, própolis, cera e pólen”, diz o beneficiário do Redes Antônio José de Carvalho, apicultor do Assentamento Manchete, localizado na Zona rural de Marianópolis do Tocantins. “Nosso trabalho na agricultura é de preservação, contra o fogo, contra a derrubada do Cerrado. Precisamos do Cerrado em pé, não queremos um Cerrado desmatado.”

Segundo Maurício José Alexandre de Araújo, diretor executivo da Onça D’Água,  uma das linhas do projeto é o incentivo ao plantio. Ele afirma que a agricultura é um “gargalo” para o extrativismo, já que, com o desmatamento aumentando nos locais de coleta, fica cada vez mais difícil extrair frutos, sobretudo se não há quem plante.

Maurício José Alexandre de Araujo, diretor executivo da Onça D’Água

Lidejane Lopes de Oliveira e Maria Angela Gomes são extrativistas da Associação de Mulheres Agroextrativistas do Cantão (AMA Cantão). Para ambas, os frutos do Cerrado significam possibilidade de geração de renda e melhoria na qualidade de vida.

“Cada mulher produz o que consegue, o que tá próximo de sua região. E a gente faz de tudo um pouco. Transforma o fruto em doce, licor…”, explica Lidejane.

Já Maria diz que “dos frutos que a gente colhe, nós conseguimos trazer uma renda para a nossa mesa. Isso vem mudando a minha vida e não só a minha, como a de mulheres que fazem parte desse projeto”.

Quebra do jatobá na oficina Grande Encontro de Troca de Saberes

Para Silvana Bastos, assessora técnica do ISPN, o Cerrado só será conservado na escala que precisamos por meio do apoio e reconhecimento sobre o papel dos territórios tradicionais e dos povos e comunidades que vivem e cuidam do bioma.

Silvana Bastos, assessora técnica do ISPN

O  trabalho da Associação Onça D’Água foi registrado num documentário, que sintetizou os dois anos de execução do projeto. Confira:

Aqui tem PPP-ECOS: O projeto Redes de Iniciativas Produtivas Sustentáveis em Áreas de Proteção Ambiental (APA) no Tocantins, executado pela Associação Onça D’Água, foi selecionado no 29º Edital PPP-ECOS, do ISPN, e contou com financiamento do Fundo Amazônia. 

Texto por Camila Araujo, assessora de Comunicação do ISPN. Fotos por Studio OX/Onça D’água.

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Palmas (TO)