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Fogões agroecológicos geram economia, qualidade de vida e reduzem impacto ambiental na Caatinga

Uso da tecnologia social transforma realidade no Semiárido pernambucano com diminuição do consumo de lenha, fumaça expelida para fora de casa e autonomia para o trabalho feminino

Moradora do sítio Mandim, agricultora familiar Joselma Alves Ferreira recebeu um fogão agroecológico por meio de projeto com a apoio do Fundo Ecos (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

No Sertão do Pajeú (PE), os fogões agroecológicos estão mudando o dia a dia das comunidades rurais. Eles substituem os fogões a lenha tradicionais, eliminando a fumaça dentro das casas e usando menos lenha – apenas gravetos secos e restos de plantas, sem precisar derrubar árvores. Além de gerar economia no gás de cozinha, ele protege a saúde das mulheres, evitando a inalação de fumaça que adoece os pulmões de quem cozinha todos os dias.

A presidente da Associação Comunitária Rural de Fortuna, Maria Joselma de Vasconcelos, usa a tecnologia desde 2014. Segundo ela, o fogão agroecológico significa autonomia. “Eu só trabalhava em casa cuidando dos filhos e da roça. Com o fogão agroecológico, passei a ter mais tempo disponível e comecei a produzir e comercializar pamonha e canjica. Foi um sonho realizado. Desde então, consegui ter minha renda.”

Ao lado do fogão, há um forno acoplado que tem eficiência energética, tornando possível o uso de lenha secundária, como podas, gravetos e sabugos de milho, encontradas no entorno dos quintais produtivos. “Economiza tempo para sair de casa. Não precisamos desmatar, é só pegar gravetos no quintal”, explica Vasconcelos, que também coordena um projeto comunitário apoiado pelo Fundo Ecos.

Um levantamento da Casa Mulher do Nordeste, apresentado em 2018 na Revista Cadernos de Agroecologia, mostrou que o uso dos fogões agroecológicos entre 30 mulheres agricultoras no território do Pajeú gerou uma diminuição de 64% no tempo utilizado para adquirir lenha. 

A pesquisa também identificou que, com a implantação da tecnologia, houve uma queda de 45% no uso de lenha e 71% no uso de carvão. 

“Essa tecnologia melhora a qualidade de vida das mulheres, ajuda no beneficiamento da produção agroecológica, na comercialização e protege o meio ambiente”, explica a supervisora de projetos da Casa Mulher do Nordeste, Sara Rufino, uma das autoras do estudo.  

Sara Rufino, da Casa Mulher do Nordeste (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

A Casa oferece oficinas para ensinar famílias a construir seus próprios fogões, que, segundo Sara, são de fácil multiplicação. Para acender o fogão, a orientação é uso de matéria orgânica absorvível pelo solo, como restos de cerca e gravetos. Não é necessário desmatar a Caatinga e tirar o galho vivo, tampouco usar carvão, produto do desmate

Fogão agroecológico, aceso com lenhas gravetos e restos de poda, no preparo de um arroz (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

As mulheres utilizam muito menos lenha. A emissão de gás do efeito estufa é muito menor, porque o tempo de cozimento do alimento é otimizado, e o tempo que o fogão fica aceso liberando fumaça é menor.” 

O fogão funciona com uma câmara de combustão que aquece uma chapa de metal onde as panelas são apoiadas e tem um forno integrado. Todo o calor é aproveitado e a fumaça sai por uma chaminé externa. Saiba mais sobre o funcionamento dessa tecnologia social na Cartilha Mulheres na Caatinga, da Casa Mulher do Nordeste

Mancha preta na parede é resquício do antigo fogão a lenha; lenhas reunidas em latas são maiores do que o necessário para acender fogão agroecológico (Foto: Jessica Pedreira/Acervo ISPN

Menos desmatamento 

Agricultoras familiares de São José do Egito, que receberam o fogão agroecológico por meio do projeto “Famílias agricultoras semeando agroecologicamente a paisagem do Pajeú”, da Associação Comunitária Rural de Fortuna, apoiado pelo Fundo Ecos, concordam com essa definição. 

Grupo de mulheres beneficiárias de projeto Fundo Ecos da Associação de Fortuna com técnicas do ISPN, da Casa Mulher do Nordeste e parceiro do WRI (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

“Um botijão de gás dura 30 dias no máximo. Agora, com o fogão agroecológico, eu vou passar três meses com o gás”, diz a produtora de queijos e bolos, Joselma Ferreira, que combina o uso do fogão agroecológico com fogão à gás conforme a disponibilidade financeira.

Amante da Caatinga, ela afirma que não tem vontade de morar “na rua”, se referindo à parte urbana do município, porque gosta muito de morar no campo. “No sítio eu crio minha galinha, meu pé de goiaba, manga, acerola e caju, meu pezinho de coentro e cebolinha. Se eu precisar disso na rua, eu vou ter que comprar. Aqui eu utilizo minha produção”. 

Sobre o fogão agroecológico, Joselma Ferreira faz um pedido. “Eu peço para o pessoal não desmatar. Não faça isso, pra usar o fogão não precisa desmatar. A gente só tira madeira que está morta, caída no chão, as que estão vivas a gente não tira”. 

De acordo com pesquisa publicada em 2013 na Revista Fapesp, o desmatamento ilegal na Caatinga está ligado sobretudo à questão energética, pela extração de lenha e carvão da mata nativa, que vai para siderúrgicas dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, ou indústrias de gesso e cerâmica no próprio semiárido. 

Graviolas do quintal produtivo Maria Lourdes Feitosa, moradora da Cachoeira do Cancão, que também usa fogão agroecológico e já foi beneficiária do Fundo Ecos. “Viver no sítio é melhor que viver no mundo”, diz (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

Contemplada no projeto da associação de Fortuna para receber a tecnologia, Wendya Nascimento tem 22 anos e sempre morou em comunidade rural no semiárido pernambucano. O fogão, que acaba de ser construído em sua casa, leva um dia para ficar pronto e precisa de nove dias para a “cura” do cimento, até finalmente poder ser acendido. 

“Eu faço bolo para vender. E o fogão agroecológico vai mudar a minha vida. Porque a energia tá vindo muito cara. Eu faço bolo na energia e, às vezes, no gás, quando tem muito pedido. Agora com o fogão agroecológico, isso vai mudar. Eu estou muito animada”, conta. 

Quintal de Wendya conta com cisterna de tipo “enxurrada”, composta de uma bacia de decantação para limpeza da água (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

Política pública

A Caatinga é um bioma totalmente brasileiro e abrange os Estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais. 38% da população, constituída de aproximadamente 27 milhões de habitantes, vive em zonas rurais. A Caatinga é uma das florestas secas mais biodiversas do mundo, embora já tenha perdido cerca de metade da sua cobertura vegetal (Mapbiomas). 

Povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, agricultores e agricultoras familiares, sertanejos ajudam a conversar o bioma por meio dos seus modos de vida, enfrentando os desafios da histórica ocupação do bioma. 

Dados da Articulação do Semiárido (ASA) mostram que, nas regiões de clima Semiárido, 1,3% dos latifúndios (acima de mil hectares) concentram 38% das terras agricultáveis da região, enquanto 1,5 milhão de famílias camponesas dividem apenas 4,2% dessas áreas.

As tecnologias sociais de convivência com o Semiárido, como os fogões agroecológicos, são meios fundamentais para garantir e melhorar o acesso a recursos e para reduzir desigualdades sociais e de gênero. 

Em nível de política pública, o impacto é ainda maior, com potencial de transformar paisagens. Exemplo disso é o programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), implementado a partir de 2003, por iniciativa da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) com financiamento do Governo Federal. 

Desde então, mais de um milhão de cisternas foram construídas. Com água garantida para consumo e produção, o desafio no Semiárido — que ocupa 12% do território nacional — já não é tanto a seca, mas a desigualdade histórica no campo. 

E, nesse sentido, os fogões agroecológicos já provaram seu poder de transformar realidades no sertão e na paisagem.

Luciene Josefa, moradora da zona rural de São José do Egito, foi beneficiada com fogão agroecológico (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

Luciene Josefa, moradora do Sítio Mandim, compartilha o sentimento das demais agricultoras familiares: “Gosto da vida na Caatinga: mexer com planta, hortaliça, criar bichos, ovelha, leite, gado… Vive-se de milho, banana, galinha, ovo — e de projetos como esse do fogão.”

#AquiTemFundoEcos: O projeto “Famílias agricultoras semeando agroecologicamente na Paisagem do Pajeú”, da Associação Comunitária Rural de Fortuna, viabilizou a instalação de 10 fogões agroecológicos na comunidade de Fortuna e arredores. A iniciativa foi selecionada em um edital do Fundo ECOS, no âmbito do Small Grants Programme (SGP) — programa financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), implementado internacionalmente pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e executado no Brasil pelo ISPN.

Texto por Assessoria de Comunicação ISPN / Camila Araujo.

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