Projeto “Cerrado de Marias Sagradas Mulheres”, liderado por guardiãs de saberes ancestrais, é selecionado em chamada que prioriza mulheres e jovens no Cerrado e na Caatinga

Entre as vozes que ecoam na resistência pelo Cerrado de pé, está a de Maria do Cerrado — mulher preta, benzedeira e rezadeira, cujas mãos carregam séculos de tradição. À frente do Santuário de Maria – Terreiro da Vovó Maria Conga, ela celebra uma vitória coletiva: o projeto “Cerrado de Marias – Sagradas Mulheres” aprovado de forma inédita no 39º Edital Fundo Ecos.
Localizado na zona rural de Planaltina (DF), a apenas 40 km da sede política do país, o terreiro é um farol de conservação — tanto cultural quanto ambiental. “O Cerrado está sendo violentado. Um movimento como esse da sociedade civil nos dá esperança: o mundo tem jeito, o país tem jeito, Brasília tem jeito”, afirma Maria, em relação ao encontro de sua organização com o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), que gere o Fundo Ecos.

O projeto selecionado vai beneficiar três comunidades rurais no entorno do Santuário: Largo da Pedra Fundamental, Sítios Agrovale e Pacheco. O objetivo é fortalecer o protagonismo de mulheres da região, por meio de oficinas para aprimorar e sistematizar saberes ancestrais – como produção de mudas e ervas, chás, garrafadas, “ecojoias”, etc – ao longo de 18 meses.
Reconhecimento tardio
Comunidades de terreiro, reconhecidas oficialmente como povos tradicionais pelo Decreto nº 12.278/2024, são guardiãs de uma herança afro-brasileira que resiste à marginalização. “Demorou, mas finalmente fomos reconhecidos”, reflete Maria. Para ela, ser povo de terreiro é cultuar a vida em todas as suas formas — das plantas aos ancestrais, do alimento às rezas que atravessam gerações.
“Benzimento é força ancestral. Nossa casa devocional honra aqueles que vieram escravizados e aqui plantaram raízes. Antes, Brasília tinha muitas benzedeiras; hoje, somos poucas. Manter essa tradição é parte de nosso trabalho.”

O Distrito Federal abriga 330 terreiros, segundo mapeamento da Fundação Palmares e UnB (2018). No entanto, esses espaços são alvos constantes de violência: dados da SSP-DF revelam que quase metade dos crimes de intolerância religiosa em 2024 atingiu religiões de matriz africana.
Questionada sobre a essência de sua tradição, Maria resume: “É honrar ervas, orixás, inquices e voduns. É partilhar o que se planta e nunca faltar. Não aspiramos riqueza, mas prosperidade. Sem ervas, não há axé — cada erva é um orixá.”
Nesse cenário, o apoio do Fundo Ecos — que há mais de 30 anos apoia projetos de populações indígenas, tradicionais e agricultores familiares — chega como um marco. “Abre portas para outros projetos”, celebra Maria. O edital, financiado pelo BNDES e GEF/PNUD, prioriza mulheres e jovens no Cerrado e na Caatinga. “Mulheres são útero, jovens são renovação. O Cerrado é o berço das águas do planeta, e a Caatinga, a força da resiliência”, conclui a benzedeira.

Por Assessoria de Comunicação do ISPN / Camila Araujo