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Rainhas do Sertão: criação de abelhas nativas gera renda e ajuda a proteger o meio ambiente no Ceará

Projeto fortalece agricultura familiar, envolve jovens e mulheres e contribui para a conservação no semiárido cearense

A criação de abelhas nativas sem ferrão está sendo expandida no sertão do Ceará, ao lado da já tradicional apicultura. Em municípios como Paramoti, Pentecoste e outros do Vale do Curu, a meliponicultura vem sendo adotada como uma alternativa sustentável de geração de renda, conservação ambiental e fortalecimento comunitário.

O projeto Néctar do Sertão, realizado pela Agência de Desenvolvimento Econômico Local (ADEL) em parceria com o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), tem incentivado a recuperação das populações de abelhas nativas e o resgate de uma prática ancestral que une tradição, ciência e conservação.

“Quando a gente fala desse projeto, não tem como não falar dos impactos positivos que ele tem causado, até mesmo pela sensibilização ambiental que ele desperta”, explica Mailson Bezerra, técnico da ADEL que acompanha os produtores da Rede Néctar do Sertão.

Hoje já são 80 produtores beneficiados em cinco municípios, incluindo novos participantes — entre eles, jovens e mulheres.

Técnico do projeto, Mailson Bezerra, ao lado de caixas de abelhas nativas que foram distribuídas para 80 meliponicultores. Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN

“Qualquer pessoa pode cuidar de um meliponário. As abelhas nativas são dóceis, não têm ferrão e podem ser manejadas sem risco. É uma atividade simples, rentável e que desperta o senso de coletividade e de cuidado com a natureza”, destaca Mailson.

Na comunidade Sítio do Meio, em Pentecoste (CE), Brena de Araújo, de 28 anos, representa a nova geração de meliponicultoras. “Participei do projeto em 2015 e agora estou de volta. Tenho seis caixas de jandaíra e já tive boa renda com a venda do mel e do pólen”, conta, acrescentando que o projeto vai além do recurso financeiro.

“A gente aprende sobre a importância de proteger a mata nativa e vê que jovens e mulheres podem trabalhar sem sair da comunidade. É tudo que a gente quer. Estar com a família, fazer uma renda extra, ajudar na comunidade e conservar o meio ambiente.”

Brenda de Araújo é uma das meliponicultoras beneficiadas pelo projeto da ADEL. Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN

A zootecnista Epifânia de Macedo, parceira da ADEL, lembra que o Brasil abriga cerca de mil espécies de abelhas nativas, fundamentais para a polinização de plantas e culturas agrícolas.

“No Nordeste, a jandaíra é a rainha do sertão”, diz. “Essas abelhas estão totalmente adaptadas ao clima e à florada da região. Além da produção de mel e pólen, elas têm grande potencial para a educação ambiental e o turismo rural.”

Epifânia também destaca que o trabalho dos meliponicultores é essencial para a ciência e a conservação. “Não adianta o conhecimento ficar só dentro da sala de aula. A parceria entre pesquisadores e comunidades é fundamental para proteger as abelhas e manter a biodiversidade viva.”

Um desses produtores parceiros da pesquisa acadêmica é Everardo Alves Moreira, experiente meliponicultor e guardião de um meliponário modelo de 2016, construído com apoio do Fundo Ecos no projeto Rede Néctar do Sertão, financiado pelo GEF e parceria do PNUD.

Detentor de um importante conhecimento acerca das abelhas nativas, Everardo trabalha com mais de 200 caixas de meliponicultura.

Em Paramoti, o agricultor Francisco Antônio cria abelhas nativas há mais de oito anos e viu na meliponicultura uma forma de ampliar a renda da família. “Comecei com três colmeias e hoje já passei de vinte. O mel da jandaíra é muito valorizado. Chega a R$ 250 o litro e é muito procurado por quem busca produtos medicinais”, conta.

Francisco explica que o manejo das abelhas exige cuidado, especialmente durante o período seco. “A gente alimenta as colmeias até chegar o inverno, quando elas voltam a coletar o próprio alimento na natureza. É um trabalho de paciência e de respeito com o ciclo da vida.”

Para Renato Araújo, assessor técnico do ISPN, a meliponicultura é um exemplo de como a conservação ambiental pode caminhar junto com o desenvolvimento local. “A pessoa que cria abelhas vira protetora da natureza. Ela não quer que queimem nem desmatem, porque sabe que isso acaba com a florada”, explica. “Nosso trabalho é fortalecer atividades econômicas compatíveis com a conservação. Quando a comunidade se envolve, todo mundo ganha, inclusive o meio ambiente.”

Francisco apresenta o meliponário da Associação de Apicultores de Paramoti (CE). Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN

Airton Matheus, conhecido como Tino, é secretário de Desenvolvimento Agrário e vice-prefeito de Paramoti. Ele acompanha de perto o impacto do projeto no município.

“A associação de apicultores existe desde 1998, e a meliponicultura veio somar forças. É uma nova atividade que gera renda e ajuda a conservar o ecossistema”, afirma. “A ideia é ampliar ainda mais essa produção e fortalecer o mel da jandaíra como um símbolo do nosso sertão.”

As abelhas nativas são responsáveis pela polinização de 90% das plantas com flores e de cerca de 65% dos alimentos consumidos no mundo. No Ceará, o trabalho coletivo de agricultores, pesquisadores e instituições parceiras está ajudando a garantir que elas continuem cumprindo esse papel vital.

Do zumbido leve das jandaíras ao mel dourado que chega às feiras e mercados locais, o projeto Néctar do Sertão mostra que é possível florescer em parceria com a natureza — e que o sertão, quando bem cuidado, é mesmo um lugar fértil de vida, saberes e esperança.

O projeto Néctar do Sertão é uma iniciativa da Agência de Desenvolvimento Econômico Local (ADEL) com apoio do Fundo Ecos, do ISPN, e recursos do GEF, em parceria com o PNUD. Esse é o terceiro projeto da ADEL com o Fundo Ecos (2013, 2015 e 2024).

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