Comunidades tradicionais e agricultores familiares do Maranhão e do Tocantins mostram que educação, comunicação e a prática do artesanato engajam a juventude e a torna orgulhosa de suas raízes rurais, conscientes de que são elas que sustentam as cidades, para além de suas próprias famílias
O desenvolvimento e a modernidade passam pela roça. Essa é a convicção do estudante Erivelton Oliveira Sousa, 18 anos, estudante do último ano do ensino médio da Escola Família Agrícola do Bico do Papagaio Padre Josimo. No extremo norte do Tocantins, os alunos aprendem não só matemática, português, biologia, artes e as disciplinas convencionais, mas também têm aulas sobre movimentos sociais, sindicatos, produção agroecológica e criação de animais. Baseada na pedagogia da alternância, crianças e jovens passam uma semana na escola e uma semana realizando atividades em casa, aplicando os conhecimentos nas suas próprias comunidades e compartilhando o que aprendem sobre a terra com suas famílias agricultoras.
Remanescente quilombola da comunidade Ciriaco, localizada às margens do Rio Tocantins, Erivelton chegou à EFA ainda no ensino fundamental. Ele recorda que encontrou um espaço onde pode se identificar com o que era ensinado, encontrando uma relação sólida entre teoria e prática. Hoje ele planeja seguir seus estudos superiores em Ciências Agrárias, mas não quer ir para longe: quer estar próximo o suficiente de sua comunidade para continuar aprimorando cada vez mais o trabalho local com a terra.
“Se todo mundo sair do campo, quem vai alimentar a cidade? Quem vai sujar a mão de terra? O desenvolvimento também está no campo, ele é a base para sustentar a cidade”. Erivelton tem consciência da importância da sucessão rural, algo que aprendeu na sua escola e que vê no seu cotidiano. Ele comenta que sua comunidade era grande no passado, mas hoje há apenas uma família habitando o local, à qual ele serve de fonte de informação sobre melhores práticas agrícolas. Por lá, plantam cana, criam galinhas, mantêm uma horta e, mais recentemente, Erivelton iniciou a implantação de um apiário local.
Agroecologia da escola para a família
Silmara Silva, 17 anos, há quatro anos na EFA, sonha em ser fotógrafa e já começou a se aventurar pelo campo artístico. Na aula de artes da EFA, os estudantes são estimulados a realizarem obras de pintura, colagem e desenhos com elementos naturais recolhidos do bosque. Mas o que mais tocou Silmara foi o aprendizado sobre agroecologia. “É uma forma da gente melhorar as coisas; aqui na escola ensinam a gente a não usar agrotóxico, isso melhora a nossa vida”.
De acordo com a pesquisa Who Cares, Who Does? de 2020, realizada pela Kantar, quem mais influencia as pessoas em suas escolhas e suas mudanças de consumo numa direção ambiental são os filhos. Celebridades famosas aparecem em oitavo lugar da lista de influenciadores, o que reforça a importância da juventude para a formação da família inteira. Recentemente, uma pesquisa feita pela APA-TO entre a juventude agroecológica do Bico do Papagaio mostrou que, de 245 estudantes de 12 municípios da região, 72% desejam continuar no campo. O número é resultado das ações de educação e de engajamento desses jovens em comunicação.
Comunicação para divulgar e valorizar
Matheus Indiano, 23 anos, ex-aluno da EFA e atual técnico da instituição na docência sobre agroecologia, é um dos jovens que integra o GT das Juventudes Rurais do Bico, grupo que reúne quilombolas, quebradeiras de coco e assentados membros de movimentos sociais que organizam as juventudes rurais. Criado em 2018, o GT discute temas do campo e, durante a pandemia, por meio de oficinas temáticas para redes sociais, passou a estimular a produção de conteúdo elaborados pelas próprias comunidades para divulgar direitos, identidades e culturas das comunidades.
No perfil do Instagram, o GT divulga vídeos e fotos produzidos pelos jovens, como o tutorial para fazer turbantes, realizado por Laith Cardoso, ou ainda o tutorial gravado por Antônio Ly, que ensina a fazer uma caixinha de segredos com a palha da palmeira do babaçu. Para Matheus, que sofria preconceito na infância por ser da zona rural, a educação foi fundamental para que ele tivesse orgulho de suas origens.
“Viemos de antepassados criados no campo, isso faz com que nós, jovens, precisemos dar continuidade a essa luta. Percebo que faço a defesa de uma luta de trabalhadores, é importante lembrar das origens”, diz o universitário que atualmente estuda Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), no campus de Marabá. O trabalho que o GT das Juventudes Rurais do Bico faz, além de engajar, amplia o alcance de narrativas protagonizadas por jovens orgulhosos do campo e com conhecimento valioso em agroecologia, que serve em benefício do equilíbrio climático global.
Artesanato para agregar valor
Do outro lado do Rio Tocantins, já no estado do Maranhão, na região Tocantina, as quebradeiras de coco babaçu da Estrada do Arroz, nas proximidades da Reserva Extrativista do Ciriaco, executaram um projeto que, além de beneficiar mais de 150 famílias, envolvem a juventude na cadeia de produção e comercialização de sabonetes e enfeites. Após capacitação virtual e consultoria empresarial, nasceu a Pindowa, marca coletiva do artesanato das quebradeiras de cinco povoados que compartilham o território (São Félix, Olhos D’água dos Martins, Ciriaco, Coquelândia e Petrolina). O nome é uma referência ao babaçu ainda no estágio juvenil e é resultado do projeto Babaçu Fonte de Vida, apoiado pelo Fundo para Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais (PPP-ECOS) e pela Suzano.
As representantes das organizações comunitárias de quebradeiras de coco vem participando cada vez mais de feiras de empreendedorismo e artesanato, além de expandir as encomendas nacional e internacionalmente. O Consulado da Suíça no Brasil é um parceiro e recentemente convidou a Pindowa para participar de um evento no país europeu. No último trimestre, a marca produziu quase dois mil sabonetes feitos à base do óleo de coco babaçu. Neste Natal, as jovens planejam elaborar um kit especial para comercialização via Instagram e WhatsApp.
As experiências das juventudes do Bico do Papagaio e da fronteira do Maranhão, com toda sua consciência e orgulho de serem do campo, preocupados com as gerações futuras e a continuidade da sucessão rural para benefício das cidades e também do clima global, fazem emergir o verso do poeta Manoel de Barros: “Meu quintal é maior do que o mundo”. Talvez os quintais desses jovens não sejam maiores, mas com certeza são eles os responsáveis por salvar o planeta das tragédias anunciadas de agrotóxicos e mudanças climáticas. O futuro do mundo está no quintal agroecológico dessas juventudes.
Os Projetos que fomentam a EFA Bico Padre Josimo (Educação do campo e a agroecologia: caminhos para juventude camponesa do Bico), a APA-TO (Organização Sócio-Produtiva para Fomento de Circuitos Curtos de Comercialização da Rede Bico Agroecológico) e as quebradeiras de coco babaçu (Organização da Rede de Produção Agroecológica dos municípios de Araguatins e Buriti) recebem o apoio do Fundo PPP-ECOS, de promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais, com recursos do Fundo Amazônia e gerenciado pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
Sobre o Fundo PPP-ECOS
A promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais (PPP-ECOS) é a principal estratégia adotada pelo ISPN na busca por um desenvolvimento com equidade social e equilíbrio ambiental. Para viabilizar esta estratégia, o Instituto gere um Fundo independente que capta e destina recursos a projetos de organizações comunitárias que atuam pela conservação ambiental por meio do uso sustentável dos recursos naturais, gerando benefícios econômicos e sociais. Hoje, a carteira de financiadores do Fundo PPP-ECOS conta com o Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF), a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), Fundo Amazônia/BNDES, Laudes Foundation, União Europeia e Ministério do Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Segurança Nuclear da Alemanha (BMU).